sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

E Agora, Quem Poderá Nos Salvar?

Se existe uma tribo em território brasileiro com vocação para produzir super-heróis com certeza são os Kayapó (Mebêngôkre). “Caiapó” na visão dos índios é uma denominação pejorativa, pois significa "homens semelhantes aos macacos", já mebêngôkre significa "homens do poço d'água". Irônicamente é justamente da água que vem a maior ameaça ao lugar de vivência desse povo, pois caso a represa de Belo Monte seja construída, grande parte de suas terras serão alagadas, e o rio Xingú, do qual provém seu sustento, será incapacitado de produzir os alimentos (dentro e fora d'água) dos quais os índios sobrevivem. Diante de toda a violência contra o nosso meio ambiente, à quem podemos recorrer nestes tempos difíceis?  Talvez os personagens Kayapós na grande mídia nos sirvam de inspiração! 




Normalmente quando pensamos em astronauta brasileiro, lembrarmos do nome de... não, não estamos falando de Marcos Pontes, e sim de Bep Kororoti, o ancestral dos Kayapó-Xicrim, documentado por João Américo Peret em 1952! Essa herança cultural deveria ser motivo de muito orgulho para todos nós brasileiros, se o fato fosse mais divulgado entre a população, pois a descoberta é anterior a chegada do homem à Lua, em 1969. Bep-Noy, o sábio ancião da aldeia Gorotire no Pará, contou à João Américo a história do povo de Pukato-ti, que em tempos imemoriais encontrou um astronauta carregando um Kop, e vinha em nome de Men-Baba, o Criador de todas as coisas. Quem sabe não chegou a hora de unirmos nossas vozes, juntos a estes falantes da língua Jê clamarmos pela volta de Bep, e pararmos as engenhocas dos caraíbas malucos? 



O crescimento desenfreado, aliado à ignorância do branco/brasileiro-que-se-acha-europeu, foi iniciada com a Marcha Para o Oeste, versão Modernista do Destino Manifesto norte-americano. Esta campanha foi criada por Getúlio Vargas com a intenção de fornecer matéria-prima e alimentos para as regiões industriais do Sul e Sudeste, também continha embutida em sua filosofia, o mesmo pensamento dos Iluministas de Coimbra, que tomavam para si o sentimento de superioridade e tinham o “dever” de civilizar esse povo nativo atrasado para o nosso próprio bem. Além disso, essa migração também ajudaria a equilibrar o país demograficamente e eliminar alguns vazios de ocupação humana no nosso mapa. Aparentemente espaços com muita floresta e animais no meio não são um bom sinal para os governos civilizados. A última intenção dessa campanha era derradeiramente a ocupação da Amazônia, portanto houve a necessidade da construção da Transamazônica e o deslocamento das 15 maiores etnias daquela região para Parque Indígena do Xingu-MT.

Voltando ao Xingú do Pará, se seguirmos a lógica alegórica de James Cameron em seu filme Avatar, a tendência é que as multinacionais queiram muito mais do que uma represa que só vai funcionar durante 4 meses do ano.  Existem matérias que alegam que o verdadeiro interesse das estatais está no que se encontra abaixo do solo da Bacia do Xingú-PA. Ali se encontram urânio, ouro, e o minério mais crucial para quem antevê uma possível guerra e vem das jazidas de volframita.  No filme foi metafóricamente chamado de “unobtainium”, mas o diretor provavelmente se referia ao tungstênio.


O Tungstênio é muito usado para fabricar jóias pelas suas qualidades como condutor de eletricidade e calor. É hipoalergênico e resistente a riscos, especialmente em desenhos com acabamento escovado. É um dos metais mais densos do planeta, e o metal com o maior ponto de fusão. Por esses e outros motivos é um elemento essencial na produção de ferramentas de corte e lâminas de perfuradoras para mineração, petróleo e construção (representa cerca de 60% do consumo atual de tungstênio); turbinas e tubeiras de foguete, munições de armas ligeiras concebidas para penetrarem proteções pessoais, artilharia, granadas e mísseis, para criar estilhaços supersônicos. Devido a esta importância em tempos de guerra, até nossos colonizadores patrícios foram colocados em maus lençóis, quando foram pressionados por ambos os lados na Segunda Guerra Mundial, que queriam o metal para fundir com o aço, o que aumenta muito a resistência deste metal quando interligados. O único problema para nós agora é que a China detém 1 800 000 toneladas em reservas deste minério, enquanto o resto do mundo detém apenas 1 milhão. Seria por isso tanta insistência para construir Belo Monte?


Quem sabe além do astronauta, também não possamos contar com outro super-herói mais recente, e que foi um dos cinco "protetores" do meio-ambiente mais importantes dos anos 90. Ma-Ti, personagem do desenho animado Capitão Planeta, é um índio Kayapó, fato que passou quase despercebido aqui no Brasil mesmo com as aventuras passando diariamente na TV Globo durante anos. Ele fazia parte de um grupo de 5 adolescentes que trabalhavam juntos para estimular um comportamento mais sustentável ao redor da Terra. Cada um foi dado por Gaia um anel que os ajudavam a evocar poderes sobre um dos elementos: Terra, Fogo, Vento, Água e Coração. O Coração era representativo do amor, comunicação, telepatia e metafísica. Eles também usavam os anéis para combinarem seus poderes e chamarem a ajuda do próprio Capitão Planeta para livrá-los do perigo e proteger a Terra de desastres ecológicos: "Pela união de seus poderes, eu sou o Capitão Planeta!".




O episódio que revela a etnia do nosso planetário é o primeiro da 4ª temporada, no qual Ma-ti conta um breve relato de quando o vilarejo de seringueiros onde morava com seus pais estava sendo ameaçado por fazendeiros. Um dia antes da destruição do vilarejo seus pais decidem deixá-lo com o pajé de uma aldeia próxima, o qual ele chama de avô. Nosso super-herói indígena era amigo dos animais e possuía como mascote um macaco-prego chamado Suchi. Nosso parente também tinha o poder de se comunicar com animais e usar seu anel para tornar uma pessoa mais "bondosa".

O desenho foi ao ar em 1990, influenciado provavelmente pela campanha internacional de nada mais nada menos que Raoni e Sting. Em 1988, após um show em São Paulo, eles começaram uma turnê por 17 países contra a barragem de Kararaô, e por coincidência ou não, Ted Turner, o criador da série, parece ter criado uma consciência ecológica dois anos depois. A empreitada foi um sucesso. Graças à Raoni Kayapó (Ropni Metyktire), Sting criou a Rainforest Foundation, e juntos conseguiram a homologação do Parque Nacional do Xingu em 1993, foram mais de 180 000 quilômetros quadrados para 28 povos diferentes. Em 1973 Raoni já havia participado de filmagens com o cineasta Jean Pierre Dutilleux, e esses rolos viraram um filme em 1977. O longa-metragem foi um fenômeno de bilheteria e chegou a concorrer a Palma de Ouro em Cannes e os Oscars, e fez do cacique o indígena mais famoso do país. Foi Dutilleux quem apresentou Sting a Raoni, no I Encontro de Povos Indigenas do Xingu em 1987.


Não pense que os "capetalistas" não tiveram seu momento de vingança, justamente nas duas semanas nas quais ocorrereu a Cúpula da Terra em 1992, o sobrinho de Raoni, Bepkoroti Kayapó (Paulinho Payakan), foi covardemente acusado de estupro. Naquela época essa tática globalista pegou nosso parente em cheio, tendo sua foto estampada na capa da revista Veja com a manchete "O Selvagem". Hoje em dia já sabemos da "cisma" que as feministas tem com esses casos, e que as leis de prevenção desse crime relativamente raro tem se tornado cada vez mais ridículas.  Também já sabemos que houve uma tentativa proposital de denegrir a imagem do índio perante a sociedade, sendo que a única fonte de informação que o grande público tinha desses povos eram os meios de comunicação em massa. As acusações foram baseadas na construção de consensos em torno à situação privilegiada de Payakã, dos Kayapó e das populações indígenas no Brasil, no que se refere à riqueza, à terra e à situação jurídica. Esse quadro de privilégio foi apresentado de forma pejorativa na sua caracterização, exagerando seus lucros com a exploração dos recursos naturais de suas reservas, assim como desmerecendo nosso modo de vida originário e ancestral.

Raoni foi um principal interlocutor na criação do programa de Formação de Professores Indígenas, curso que existe desde 1989 na Aldeia Piaraçu. Participou também na criação da primeira Universidade Indígena do Brasil, e sempre lutou pelo direito à professores bilíngues que ensinem tanto a cultura indígena como as matérias acadêmicas dentro das aldeias. Depois de algum tempo sumida, finalmente a antiga barragem voltou com um novo nome em 2009. Como já havia sido profetizado pelo seu pai, relato que pode ser visto na abertura do filme "Belo Monte - Anúncio de Uma Guerra", o mourubixaba foi novamente convocado para a linha de frente. O melhor de Raoni é que ele parece não se iludir com falsas promessas. Parece que mesmo durante a visita do príncipe Charles ao Rio de Janeiro, ele fez questão de manter-se firme e falar abertamente, não se deixando ludibriar pelo fato de que era o convidado número um do corpo diplomático britânico: "É como sempre muito importante encontrar o príncipe Charles justamente para ajudar a preservar as florestas. Ele falou da preocupação dele com o nosso povo Caiapó e eu comentei que também que me preocupo principalmente com a construção da barragem de Belo Monte, no Pará, que pode comprometer o meio ambiente e a nossa terra".

O contato dos Kayapó com os brancos começou nos anos 50, com os Villas Boas. Logo depois veio Peret enviado pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI) no edifício da atual Aldeia Maracanã, lugar de importância histórica para nós. Parece que os desastres acontecem, e nós já ficamos apáticos.  Perdemos a capacidade de tomar atitudes pelos nossos direitos. Não bastam apenas super heróis ou celecelebridades, como Raoni ou Giselle Bundchen, que repassa parte da renda das sandálias Ipanema Grandene para o programa do Instituto Socioambiental Y Ikatu Xingú. Podemos nos inspirar em ativistas indígenas fictícios como Ma-ti, ou da vida real como o Professor Urutau, que fazem a parte deles, nós também temos que fazer a nossa. O Movimento de Rexistencia da Aldeia Maracanã continua lutando pela criação da Universidade Cayuré Imana no Rio de Janeiro. As aulas de Tupi continuam todas as semanas na UERJ e na Cinelândia. E você, de que forma você poderá salvar o planeta? "O poder é de vocês!"

Um comentário:

  1. Postagem interessante, com muitos fatos que eu não conhecia. Vou procurar o desenho, pra conhecer o Ma-Ti...

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