quinta-feira, 23 de abril de 2015

A Ilha do Tesouro na Terra do Fogo (Parte 2)

Aqui no nosso continente temos para nós que o projeto de independência dos países Latino Americanos, incluindo o nosso, foram articulados pela maçonaria. José Bonifácio era maçom e sabemos que Simón Bolivar e San Martin foram iniciados nas lojas européias.  A emancipação da América do Sul foi toda planejada lá e financiada por estas Ordens.  Hoje em dia, no entanto, a tática mais comum de opressão não é mais a militar, e sim a propaganda através da grande mídia, para manipular opiniões e mentes. A guerra da informação (que nós estamos anos luz atrás) tem funcionado tão bem, ao ponto de que ela se espalha ao nível de pessoas de classe média ou baixa, que não têm nada a ganhar com a pilhagem das Américas. Muito pelo contrário, às vezes pessoas humildes do suposto "Primeiro Mundo" defendem o imperialismo dos seus países, mas na verdade estão auxiliando na severidade do julgo da sua Câmara dos Lordes, porque assim dão credibilidade às suas elites, que os oprimem cada vez mais.  Talvez possam ser capazes de bradarem bêbados nos pubs: "Britain rules the waves! (A Britânia domina as ondas.)" ou "The Sun never sets on the British Empire! (O Sol nunca se põe no Império Britânico)", mesmo sem nunca terem remado sequer um barco, ou atirado uma arma na vida. 

Ao entrar recentemente em um fórum online que debatia a soberania das Ilhas Malvinas, eu tive o desprazer de ler um comentário de um inglês que parece ter a mesma opinião que a maioria de seus conterrâneos que são a favor da causa inglesa. O que o internauta Simon escreveu foi que "as ilhas eram britânicas muito antes da Argentina existir como nação. A própria Argentina é povoada por descendentes de colonos europeus que assassinaram os nativos. As Falklands eram desabitadas antes de se tornarem britânicas. Qualquer um que apoia a posição da Argentina claramente nunca leu um livro de história em sua vida. As Falklands nunca foram argentinas. o que é que a distância tem a ver com o debate? as ilhas estão a 300 milhas da Argentina, a Holanda está a 30 milhas do Reino Unido. nós reivindicamos a Holanda? a reivindicação argentina é um absurdo, o futuro deve ser decidido pelos os habitantes. vocês podem querer tentar invadir novamente caso gostem de ver seus meninos morrem em baionetas britânicas."



Cidadãos como o Simon parecem não perceber que este discurso, baseado na ganância pelo petróleo daquela região, está funcionando contra os próprios britânicos, já que os petrodólares estão predestinados a arruinar a economia mundial. Em relação à questão de que se a ilha era habitada ou não antes dos kelpers, quem sabe o próprio capitão do Beagle não possa ter deixado evidências escritas?  Vale lembrar esse trecho do diário de onde Robert FitzRoy se espanta com Brisbane pela condição da destruição da ilha:
"Como é isso", disse eu, surpreso, ao Sr. Brisbane; "Eu pensei que colônia do Sr. Vernet era um povoado próspero e feliz. Onde estão os habitantes? O lugar parece deserto, bem como em ruínas."
"Na verdade, Sir, estava prosperando", disse ele, "mas a Lexington arruinou tudo, os homens do capitão Duncan fizeram tremendos danos às casas e jardins. Eu próprio fui tratado como um pirata." (Voyages of the Adventure and Beagle
Sim, piratas contra piratas! Tanto no século XIX quanto hoje em dia, pois analisando a opinião do internauta, a "invasão com baionetas" à qual ele se refere é a Guerra das Malvinas de 1982, e igualmente não estava livre de corsários e injustiças contra povos originários. Segundo o Informe Rattenbach nossos hermanos estavam prestes a conseguir através da ONU a devolução das Ilhas Malvinas ao seu território.  Numa decisão maluca a ditadura decidiu invadir as ilhas à força meses antes da data prevista para uma importante mesa de negociações, dando o pretexto à Inglaterra de "defender a soberania" daquele arquipélago. As tropas argentinas usavam armas sem gatilho, e granadas que 60% não explodiram. Os generais davam ordens sem nexo, como ir para a frente de batalha desarmado, ou marchar em sentido contrário do inimigo.  Isto fez com que o conflito anos depois revelasse sua verdadeira identidade, a de um "circo armado" onde reservistas sem qualquer treinamento morreram para uma platéia de câmeras da mídia internacional, filmando uma guerra encenada com 904 mortes verdadeiras.  Soldados indígenas só foram avisados que estavam em guerra depois que aterrissaram nas ilhas.  Sofreram humilhações, passaram fome, e algumas famílias até hoje não tem notícias sobre o paradeiro de seus filhos.  Pelo menos 100 soldados provinham das etnias Q'om, Mapuche, Guarani, Wichi e Mocovi, e até hoje lutam pelos seus direitos. Enquanto veteranos não-indígenas recebem auxílio do Estado, os nativos nunca receberam um centavo.

Diferentemente de nós brasileiros que somos brocados no cérebro com esta informação na escola, os inglêses não são muito familiarizados com o Tratado de Tordesilhas. Caso alguém não saiba, foi onde ficou decidido que 370 léguas ao oeste das ilhas de Cabo Verde pertenceriam à Espanha, e ao leste pertenceriam à Portugal. Embora o tratado tenha sido anulado pelo Tratado de San Ildefonso de 1º de Outubro de 1777, o fato é uma das bases para a sustentação da defesa de soberania Argentina, que naturalmente herdou todas as suas terras da Espanha.  O Tratado de Tordesillas foi assinado em 1494 (antes do Descobrimento do Brasil), e tinha o reconhecimento da maior autoridade daquela época, o Papa Alexandre VI, já que a Europa então vivia sob a hegemonia do Vaticano. O ministro plenipotenciário Manuel Moreno explica muito bem a história das ilhas em seu protesto de 1833, que foi impresso e distribuído com muito êxito aos Londrinos e teve grande repercussão entre os leitores da época:
"O primeiro assentamento europeu foi, no entanto, efetuado sob a direção de Bougainville, com a sanção do Louis XV, em 1764, pela co-operação de uma sociedade anônima, constituída em St. Malo, na Bretanha, para este efeito; daí a denominação Iles Malouines, conferida a estas ilhas, comemorativa desse evento. (...) Posteriormente ao estabelecimento da colônia francesa, o governo britânico, no ano de 1766, dirigiu a colonização à Puerto de la Cruzada, também conhecido como Porto Egmont; mas depois de várias altercações entre os tribunais de Londres e Madrid, sobre o assunto desta invasão e ocupação pelo governo britânico, este último renunciou por tratado, em 1774; portanto, manifestamente e de forma irrevogável corroborando a validade superior das reivindicações espanholas, como também tinha sido feito por firma pelos franceses em 1767.
Estas ilhas foram, assim, consideradas como parte integrante do território espanhol, e, posteriormente, do argentino, a partir do ano 1774 até o presente momento, tanto tacitamente e publicamente, e não apenas pela Grã-Bretanha e França, mas na verdade por qualquer outro poder europeu." (Observations on the Forcible Occupation of the Malvinas, or Falkland Islands, by the British Government in 1833)
Os assassinos de "BabyLondon", já haviam levado à beira do extermínio grande parte dos Pequot, Powhatan e Wampanoag dois séculos antes, mas pareciam não estarem satisfeitos com o seu "body count indígena" no hemisfério norte, e decidem atacar os parentes da América do Sul também.  Estes empregariam aqui táticas de patronagem e suborno através de Lord John Brabazon Ponsonby, o embaixador do Rio de Janeiro, e Sir Woodbine Parish, embaixador britânico em Buenos Aires (ambos intercalando outros cargos ao longo do tempo). Eles já haviam tentado invadir as Províncias Unidas duas vezes sem sucesso. A primeira invasão de Buenos Aires, em 1806, foi onde as tropas britânicas ocuparam a cidade de Buenos Aires, capital do Vice-Reino do Rio da Prata, sendo expulsas 45 dias depois por um exército de Montevidéu, que se juntando à milícias em Buenos Aires pegou o exército britânico de surpresa.  A própria população auxiliou na expulsão dos ingleses, jogando água fervendo nos "casacas vermelhas" de cima de suas sacadas. Na segunda invasão as forças britânicas vieram com dez vezes a quantidade de homens.  Depois de tomarem Montevidéu, foram expulsas quando tentaram ocupar Buenos Aires, por forças de defesa constituídas não só das tropas do governo a serviço do rei da Espanha, mas também de milícias urbanas armadas e organizadas militarmente.

Menos de duas décadas depois, logo após se despedir de Jemmy Button e os yaghanes, o Beagle se encontra novamente na cena do crime.  Os ingleses conseguiram recapturar o Porto Soledad nas Ilhas Falklands em Janeiro, mas prender Antonio Riveiro (apelidado de Antuco) e os outros rebeldes charrúas não foi uma tarefa fácil.  Darwin escreveu:
"O Sr. Smith, que está atuando como governador, subiu à bordo, e nos relatou cenas tão complicadas de assassinato à sangue frio, roubo, pilhagem, sofrimento, tal conduta tão infame em quase toda pessoa que tenha respirado essa atmosfera, que levaria duas ou três folhas para descrever. Com o pobre Brisbane, quatro outros foram massacrados; o principal assassino, Antuco, se entregou. - Ele diz que sabe que será enforcado, mas ele deseja que alguns dos ingleses, que estavam envolvidos, sofram com ele; pura sede de vingança parece tê-lo incitado a este último ato. Rodeado como está o Sr. Smith, com este conjunto de vilões, ele parece estar levando adiante seus esquemas admiravelmente bem". (Diário de Bordo de Charles Darwin)
A sublevação de "El Gaucho" Rivero fez com que a bandeira argentina se hasteasse
durante 6 meses na Ilhas Malvinas.

O capitão Seymour da HMS Challenger demorou dois meses para conseguir capturar Rivero, e foram necessárias várias expedições de fuzileiros para conseguir este feito. Os cinco charrúas juntamente com seu líder foram embarcados algemados no Beagle e levados ao Rio de Janeiro, e posteriormente a Londres; mais precisamente para a prisão de Sheerness no rio Tâmisa Antes de zarpar do arquipélago Darwin chega a comer a tradicional "carne de cuero" com os gaúchos que sobraram ali, o qual ele descreve como uma iguaria que certamente faria sucesso em Londres. Ao chegar na Inglaterra, as autoridades tentam conseguir uma maneira de processar Antonio e os outros nativos, mas os procuradores-gerais responderam da seguinte forma:
"Alega-se que todos eles foram mal tratados por Brisbane e Dickson que se recusaram a pagá-los conforme o acordo de um curral que haviam erguido para a retenção do gado selvagem na captura e abate para o qual foram principalmente empregados. Deve-se observar que três dos prisioneiros ... parecem ser das mais baixas classes de índios sul-americanos quase se aproximando aos selvagens. O quarto, Antonio Rivero, parece ser de ordem um pouco mais elevada, provavelmente ele seja de origem selvagem espanhol sul-americana. Nenhum deles compreende o idioma Inglês, mas falam uma espécie de espanhol básico. (...) Sob todas as circunstâncias, parece-nos que no caso de uma condenação, a sentença não poderia ser justamente colocada em execução e, portanto, não podemos recomendar um processo." [Sir John Dodson (Advocate-General), Sir John Campbell (Attorney-General) and Sir Robert Rolf (Solicitor-General)]
Em outras palavras, os revolucionários não puderam ser julgados pelo juiz considerar aquilo como território fora de sua jurisdição, e assim são largados discretamente em Montevideo.  No Rio de Janeiro o contra-almirante sir Graham Hammond da Estação Sul-Americana observa em seu diário que "é uma forma muito desleixada de fazer negócios, colocando assim o ônus de deixar escapar esses malandros sobre meus ombros, se eu optar por deixá-los ir."  Enquanto estes eram liberados no Uruguai pelos ingleses, foi a vez dos franceses sequestrarem outros quatro indígenas da nação Charrúa (Onkaiujhmarpara o divertimento da burguesia local.  Um ano antes de Rivero ser liberado, Vaimaca PeruMaría Micaela Guyunusa, o pajé Senaqué e o jovem guerreiro Tacuabé, todos sobreviventes do Massacre de Salsipuedes, foram parar em París.  Isto graças a François de Curel, diretor do Colegio de Señoritas de Montevideo, convenientemente onde as filhas de Fructuoso Rivera, o primeiro presidente do Uruguai, estudavam:
"Apelidado de Peru, com cerca de 54 anos de idade. O seu tamanho é no máximo de cerca de cinco pés (162 cm). Pelos seus ombros largos, pronunciada pelas formas de seus braços e seu corpo reconhece que ele deve ter sido dotado de grande força (...) As insignias de cacique são um cinto de couro com pequenas rodelas também de couro. (...) O segundo é o charrúa Senaqué, um guerreiro conhecido pela sua coragem: este se dedica à arte da cura às vezes; seu medicamento é tão inocente quanto barato, consistindo apenas da aplicação de alguns tópicos compostos de plantas medicinais para lesões ou ferimentos externos, e palavras e caretas para curar condições internas. Senaqué foi companheiro constante e fiel de Peru, em todas as vicissitudes da sua vida. (...) Durante a guerra contra o Brasil, ele foi ferido com uma lança no peito; sua personalidade é menos aberta do que seu chefe, e nunca quis aceitar os costumes dos caraíbas, ou aprender a língua deles. 
O terceiro é chamado Tacuabé, nasceu de uma charrúa que se instalou na pequena cidade de Paysandu, às margens do Uruguai. Criado entre os gaúchos, tornou-se ainda muito jovem, um bom domador de cavalos, e adquiriu um conhecimento prático das localidades, tão extraordinário que seria mais seguro para não se perder, ser conduzido por ele à noite do que qualquer outro guia ao dia. O geral Ribéra (sic), encantado por sua habilidade, tinha o tomado como guia confiável, mas Tacuabé, sabendo do movimento realizado por outros índios de sua tribo, escapou do quartel-general, e se juntou aos charruas e prestou a esses importantes serviços até o momento em que, aprisionado com o resto do seu povo, foi levado a Montevidéu, onde ele foi detido com correntes em seus pés, até o dia do embarque para a Europa. Finalmente, a mulher que acompanhou os três charrúas, e é da mesma tribo, é chamada Guyunusa; fazia parte da última concentração (aldeia) destruída pelo geral Rivéra; foi conduzida presa com algumas de suas companheiras, ao mesmo tempo que Peru e Senaqué. Nós não pudemos obter qualquer outra informação sobre a pessoa em questão; mas parece ter se agraciado do jovem Tacuabé." (Notas de Pierre-Marie-Alexandre Dumoutier e François de Curel)
Fructuoso se orgulhava de seu feito e costumava bradar: "O que oito reis não fizeram, eu consegui." Ou seja, aniquilar os charrúas. A única diferença era que os índios não confiavam nos espanhóis, mas nos uruguaios sim, tanto que deixaram suas armas ao sentar-se no churrasco em Salsipuedes. Um destes era Vaimaca Peru, um importante cacique que acabaria cruzando o atlântico e morrendo de desgosto.  No dia fatídico, Vaimaca ainda um pouco embriagado, chegou a gritar para Rivera no meio do tiroteio: "Don Fructo, matando a los amigos?".  Nem todos os charrúas estavam ali naquele dia. Apenas 400 estavam presentes, entre eles mulheres e crianças, e cinco caciques. Além dos 200 mortos (e o restante escravizado), a perseguição continuou contra todos os indígenas da região

Gervasio Artigas (Karaí-Guasú) era um indigenista charrúa por excelência.

Quase duas décadas antes, Vaimaca Peru tinha se alistado voluntariamente para lutar servindo José Gervasio Artigas, ele se tornou cacique de seu povo ainda jovem, e logo decidiu lutar pelo povo que viria a traí-lo.  Ele não foi o único, muitos charrúas lutaram em episódios históricos da região da Prata. A importância desta e outras etnias, embora totalmente esquecida pela História convencional, foi fundamental para o desenrolar político que viria a seguir, especialmente graças a liderança do general Artigas, que era um militar desertor da cavalaria real espanhola, os Blandengues, onde havia começado sua carreira. Depois da Revolução de Maio, quando o Vice-Rei foi deposto em Buenos Ayres, e o governo Espanhol passou para Montevideo, este general foi o homem indicado a dar sequência aos atos revolucionários. Ele conseguiu derrotar os espanhóis em quase todo o território uruguaio, mas quando começou o sítio à Montevideo (com forte contingente originário), o Vice-Rei autorizou 5.000 tropas portuguesas a cruzarem a fronteira e extinguir o levante popular.  Os lusitanos capturaram cidades importantes, entre elas Paysandu, e assim forçaram o tratado de paz entre Espanha e Buenos Aires.  Nas linhas artiguistas participaram também outros personagens importantes para a história subsequente do Uruguai, como Juan Antonio Lavalleja, Manuel Oribe e o próprio Fructuoso Rivera.  Pouco tempo depois, inconformado com o armistício, Gervasio Artigas junta 16.000 habitantes e forma um episódio conhecido como Êxodo Oriental, escoltado por um escudo de 400 guerreiros charrúas, estes cidadãos se restabelecem nas fronteiras da Banda Oriental, com o intuito de se armar para continuar combatendo os portugueses.  Esses "proto-uruguaios" se estabelecem perto de Paysandu, recapturada pelo filho de Garvasio, Manuel Artigas  "El Caciquillo", comandando uma tropa que contava com 3.000 soldados, entre eles 28 charruas, e lá foram reforçados com mais 500 charrúas.

Artigas, apelidado de Karaí-Guasú, utilizava guerreiros charrúas até como guarda pessoal, cerca de 25 homens.  Segundo alguns historiadores Gervasio já teria tido contato com charrúas desde sua juventude, e teria tido uma esposa e um filho desta nação (no caso, o próprio Manuel). Isso seria demonstrado também por alguns hábitos que pareciam mais com um modo indígena de ser que europeu, como ser hábil caçador, não haver deixado nenhum documento escrito até os 33 anos, e não usar garfo e faca para comer. Chegou até a desenhar um escudo de um suposto "governo autônomo" que estaria prestes a surgir. Ele também defendia o à autonomia dos indígenas em diversas cartas, inclusive direitos às suas próprias terras e preservação dos costumes.


Escudo desenhado com tinta e lápis colorido em 1814, na primeira página 
do livro "Governo Artiguista", que não chegou a ser escrito.

Em 1816 artigas perdeu a Batalha de Corumbé, e Don Frutos também perdeu a Batalha de India Muerta, na qual o último passou a despertar suspeitas de traição, pois tinha 1500 homens e foi derrotado por 200. Em 1820 Artigas se aposentou e se retirou para o Paraguai, e Rivera passou para os lado dos portugueses oficialmente.  Após a conquista do Uruguai, Rivera foi incorporado à tropa portuguesa no posto de coronel e no comando de um regimento local. Se demonstrou favorável à união do Uruguai com o Brasil, invés de com a Argentina, e logo foi promovido a brigadeiro e nomeado cavaleiro da Imperial Ordem do Cruzeiro, em 1823.  Após o famoso "Abraço de Monzon", ele pareceu mudar de opinião e simpatizar com Lavalleja e os 33 Orientales. Em 1828 Fructuoso, já está lutando pelos uruguaios novamente e começa a contar com a participação de Vaimaca e o minuano Polidoro, dois caciques que o ajudam a recapturar as Missões Orientais, neste movimento que viria a desencadear na Convenção Paz Preliminar e o juramento da primeira Constituição Uruguaia, em 18 de julho de 1830. Junto deste grupo estava também o cabo Joaquin Bermudez, mais conhecido como Sepé, o bravo guerreiro foi batizado com esse nome em homenagem ao Sepé Tiarajú, um guarani que lutou na região das Sete Missões no sécudo XVIII e é tido como santo no Rio Grande do Sul.  Assim, com o dever cumprido, meses antes da traição, Vaimaca havia voltado com seu povo para Ibicuy.

Em 1832 o cacique Sepé, que fugiu para os bosques de Arapey e Cuareim depois do massacre, conseguiu uma vingança para seu povo. Ali naquela região viviam outras etnias, inclusive os Minuanos. Num episódio que ficou conhecido como Yacaré Cururu, entre 15 e 20 charrúas e minuanos estavam fugindo de tropas federais, lideradas pelo meio-irmão de Fructuoso, Bernabé Rivera. Sepé não estava entre o bando, quem estava liderando os guerreiros era Polidoro.  Por menosprezar os indígenas, Bernabé, que estava com 80 homens, decidiu deixar a metade para trás, e partir em perseguição dos índios. O problema foi que os cavalos dos uruguaios estavam cansados e no meio do caminho alguns decidiram parar. Os índios se aproveitaram disso e passando sinais por "alaridos" (assobios) uns para os outros, não compreendidos pelos brancos, decidiram rápidamente dar meia volta e atacar as tropas de Rivera. Esse ataque surpresa foi fulminante e deixou mortos três oficiais, e nove soldados, Bernabé Rivera foi levado prisioneiro Quando trouxeram Bernabé ao acampamento charrúa e o levaram diante de Sepé, o mourubixaba não teve dúvidas.  Digamos que o troco ficou barato:
"Lá eles começaram a fazer acusações sobre os assassinatos de suas famílias e irmãos, o tenente Javier, missionário indígena e ladino, era da opinião de não matar Barnabé, porque mantendo-o vivo poderiam resgatar seus familiares presos, os outros, até mesmo suas mulheres pediam sua morte enquanto este ofereceu-lhes tudo o que eles poderiam desejar; ele ofereceu-lhes que devolveria as mulheres e crianças; diante desta oferta lhe perguntaram quem lhes devolveria as famílias que ele e seu irmão haviam matado em Salsipuedes; Barnabé não respondeu e, em seguida, um índio chamado Joaquín Bermudez lhe atirou uma lança, e os outros seguiram o seu exemplo; finalmente morreu, eles cortaram o seu nariz e tiraram-lhe as veias do braço direito e amarraram-na no pau da na lança do primeiro que o feriu, arrastaram-no a uma distância aonde havia um poço d'água, lá enfiaram sua cabeça deixando o corpo para fora. Assim findou Barnabé." (Carta de Lavalleja a Fructuso Rivera)
A justiça tarda, mas não falha.

Sepé, bravo guerreiro charrúa, se juntou com as forças do general Lavalleja para lutar contra o geral Rivera, e em seguida, se juntou ao movimento separatista no Rio Grande do Sul, no Brasil, a chamada Guerra dos Farrapos. Yacaré Cururu foi apenas um pequeno gesto de justiça divina, é uma pena que Vaimaca e os outros três talvez nunca tenham recebido a notícia do feito heroico.  Estes indígenas capturados foram embarcados para a Cidade Escuridão com o intuito "oficial" de participarem de estudos antropológicos, mas na verdade foram colocados em um circo em Champs-Elisée.  Ficavam enjaulados como animais nos "freak-shows" que eram comuns naquela época. Atrações nas redondezas provavelmente eram anões malabaristas, mulheres barbadas, e pessoas com outras deformações.   Vaimaca Perú não se adaptou aos maus tratos e morreu meses depois. Senaqué teve o mesmo fim, já que trazia desde antes da viagem uma ferida de lança no estômago que não se cicatrizou, e eventualmente levou sua vida.  

É dito que Guyunusa já tinha um filho que deixou no Uruguai, e já estava grávida de sua segunda filha quando embarcou para Paris. No momento que pariu o seu bebê aos olhos da platéia, eles comentavam uns com os outros: "Mas é incrível, é igual aos nossos bebês, chora igual e tudo!". Até Chopin visitou este circo humano, e depois de assistir ao espetáculo macabro engrossou o coro dos críticos contra o encarceramento daqueles indígenas.  A impopularidade do show foi tamanha que o preço da entrada logo caiu de 5 francos para 2, e eventualmente o próprio Aguste de Sainte Hillarie denunciou a espetáculo, e Tacuabé e Guyunusa tiveram que fugir para Lyon, onde Guyunusa também foi internada e depois morreu. Durante uma visita da imprensa, o jornal Le National descreve a tatuagem de Micaela e as roupas que usavam:
"Michaela, muito bonita para uma charrúa, não tem nenhuma peculiaridade física a observar que não seja os riscos da tatuagem em sua testa e nariz. A tatuagem, tão comum nos mares do sul e Norte-America é pouco difundida no sul. Entre os charrúas, ela só é praticada em mulheres e é limitada a três riscos azuis que se estendem verticalmente na frente, a partir da raiz do cabelo para a ponta do nariz. (...) A roupa dos charrúas é extremamente simples. Ela é feita para homens e mulheres: 1º de uma grande peça uma espécie de abrigo quadrado, em forma de batina de padre, caindo quase até o chão, e que se segura sobre o tórax por dois ângulos. É feito a partir de peles de animais selvagens, e costurado com fios de intestinos de avestruz; o pelo é voltado para o interior; o exterior é pintado em formas irregulares de cores diferentes; 2º (é feito) de uma espécie de saia de couro ou pano grosso, chamado chilipa fixado em torno dos rins por um cinto, e que desce até os tornozelos."
Diz a lenda que existe uma rua em Lyon chamada "Camino del Indio" onde segundo o folclore local um índio passou correndo com um bebê em seus braços, e nos anos 50 uma família radicada na área dizia ser descendente de índios charruas. Uma das teorias é de que Laureano Tacuavé teria sobrevivido na França trabalhando como saltimbanco (artista circense). Esta teoria é fortalecida pelo fato curioso, de que sabia cantar e tocar uma espécie de "violino charrúa", de uma corda só:
"Por mais que fabriquem apenas objetos que para eles são de primeira necessidade,  encontram-se também alguns de puro agrado: assim como a classe de violino monocordio dos quais eu tenho visto-os tirar sons muito doces e bastante harmoniosos.  Um pequeno galho de árvore com rigidez suficiente, é o preferido: após ter retirado a crosta, fazem perto de uma extremidade um pequeno corte circular a dez polegadas ou um pé de distância fazem outro semelhante, e cortam a vara cinco polegadas mais ou menos abaixo do segundo talho: esta parte é a alça do instrumento. Quinze a vinte mechas de rabo de cavalo são fortemente amarradas para formar um laço, que é atravessado pela vara, e que é levada cerca de duas polegadas ao talho inferior; a outra extremidade da mecha está ligado ao talho superior, a qual não deve ser removível. Para utilizar este tipo de violino, afundam a vara, para que os cabelos das mechas baixem na parte inferior e lá fiquem estendidos como a corda de um arco; tomam a alça na mão esquerda, de modo que três dos seus dedos possam servir de teclas para variar os sons, e colocam entre os dentes o outro lado do violino, uma pequena vara reta e lisa é molhada de saliva, é o arco que faz vibrar as mechas; e a abertura dos lábios, que, dependendo de estarem abertos ou fechados, como que para tocar guimbarada, servem para modular e variar o tom. Em tal instrumento pode ser pensado que a quantidade de notas que podem ser obtidos é bastante limitada; no entanto quase atinge um oitavo, e as melodias possíveis tocar são monótonas e pouco variadas; seu compasso é geralmente de três tempos. Pensa-se que têm alguns cantos, mas eu não os ouvi. Um dos quatro que está em Paris tem um timbre de voz afinado, quando ele quer." (Notas de Dumoutier)

Representação do artista francês Delaunois dos nativos durante o cativeiro parisiense.  Em pé o cacique Vaimaca Perú, à esquerda o curandero Senaqué, à direita Guyunusa e o guerreiro Tacuabé.

Não sabemos muito sobre a cultura dos charruas. Mas sabemos que praticavam beberagens, por exemplo, onde os pajés invocavam seres superiores e eram imbuídos com o poder de curar doenças. O funeral era entregue a uma anciã que se encarregava de descarnar os ossos e sepultar. As mulheres de parentesco mais próximo (esposas e filhas), na perda do familiar, amputavam-se uma falange (um dedo), além de cravarem, em si mesmas, flechas que tinham pertencido ao morto.  Os ancestrais dos charrúas costumavam enterrar seus mortos em anéis de pedra, ou construções em forma de cone que podiam ter até 3 metros de altura.  Estes lugares sagrados podiam funcionar também como zonas de retiro nas montanhas.

A religião e o comércio passariam a ser o novo meio de infiltração nas Américas, já que os meios militares pareciam ter se esgotado. Inclusive de nosso velho amigo Jemmy Button, não se ouviam notícias, e as pessoas passaram querer saber por onde andava o célebre índio. Uma das pessoas que tentou refazer o contato com os Yaghanes foi o pastor anglicano Allen Gardiner, que em 1838 cruzou os Andes em uma mula, sem nenhum plano, tentando apenas encontrar indígenas para seguir o seu chamado de Deus. Gardiner já tinha ouvido falar da viagem do Beagle, e achava que Wulaia seria um bom lugar para iniciar os trabalhos da Sociedade da Igreja Missionária, e em 1842 chegou nas Malvinas pedindo apoio para montar uma sociedade patagônica, o qual foi negado alegando que a distância era grande demais. Assim Allen voltou para a Iglaterra e montou a sua própria Patagonian Mission Society que logo virou a South American Mission Society. Sua primeira tentativa de criar uma missão e encontrar Jemmy foi em Gregory Bay, no Estreito de Magalhães em 1845, mas foi repelido pelos nativos. Esta foi a primeira tentativa de Allen Gardiner em tentar reencontrar Jemmy.

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